sábado, 2 de julho de 2011

A ÉTICA E A POLÍTICA NO PENSAMENTO DE MAQUIAVEL & A LIDERANÇA E EXERCÍCIO DO PODER NA MODERNIDADE

        Maquiavel é o teórico que se destaca por sua visão realista, temporal, sem apelar às metafísicas para tomada e sustentação do poder. A tomada do poder, sua manutenção ou a liberdade na polis, ou principado não são frutos dos desígnios divinos, mas da ação de homens desejosos uns por dominar e outros pela liberdade.
Em 10 dezembro de 1513 Nicoló Machiavelli, ou como nos é chamado Nicolau Maquiavel, redige uma correspondência a um amigo, Lorenzo de Medici, apresentando algumas considerações que considera importantes. Para Maquiavel é o melhor presente que poderia oferecer ao nobre. Trata-se de um livrinho no qual apresenta sua teoria prática quanto à tomada de um Estado e sua manutenção. O livro tem como endereço histórico a Itália. E essa deve ser a chave hermenêutica para todo o livro. Não se tratando como ele mesmo diz a descrição de fatos imaginados de repúblicas que ninguém nunca viu. É uma situação real que desperta a atenção e criatividade de Maquiavel.
Sua capacidade de descrever tais conceitos é devido a sua experiência como diplomata em Florença, Itália, entre os anos de 1498 a 1512.  Mas, depois da retomada de Florença das mãos da família Bórgia pelos Medici é torturado e colocado sobre prisão domiciliar acusado de traição[1]. É em sua reclusão que pode reler vários clássicos e dialogar com autores do passado propondo assim seus conselhos práticos ao amigo.
Tem ele como formas políticas para Maquiavel a República e os Principados. No entanto, ele se dedica ao segundo por conta de seu interesse de despertar a atenção de um príncipe libertador para Itália.[2]
Maquiavel descreve a grande possibilidade de estabilidade de governo para um príncipe num Estado hereditário e que nutrem afeição a linhagem. O que não acontece facilmente na formação de um Estado novo. Contudo é crucial para que se mantenha o controle do Estado que outros não tenham maior poder que o príncipe. (cap. II e III).
Esse governo nos principados pode ser de duas formas: pelo príncipe que tem seus súditos como servos que o auxiliam por causa da  graça e sua concessão, ou o exercido pelo príncipe junto com barões, que desfrutam o poder respeitando hierarquia sanguínea. Este último se tornando um dispersor do poder. Na política de Maquiavel dividir o poder com outros grandes não é a melhor situação para um governo estável.
Para a manutenção do poder é necessário existirem fundamentos ofensivos e defensivos que não podem ser desassociados ao governo do príncipe: a lei e as armas. Quando da impossibilidade da coexistência de ambos, as armas são elemento prioritário. Contudo, deve-se observar que a tomado e manutenção do poder do Estado através da armas de outros não seja a melhor escolha, descrevendo surgimento de mais problemas no futuro.
Quanto ao modo de se tomar mo poder Maquiavel destaca quatro formas:
A virtude (cap VI) que para Maquiavel esta relacionada ao uso da capacidade pessoa e racional.  Não é o mesmo que a virtude cristã baseada no comportamento moral. A virtude aqui é a boa qualidade da alma como disposição firme da parte racional do homem que se representa no possuir força, no poder, na eficácia nas atividades humanas.[3]. Destaca lideres como Moisés e Ciro como exemplo de príncipes virtuosos que pela sua própria virtude se tornaram príncipes. No caso de Moises não considerando a ação divina. Esta é, portanto, a atitude que se opõe a baseada na sorte.
O segundo modo é através da fortuna. Sendo ela circunstancias que cercam as ações, e de certa forma determina a tomada de poder contando com a fortuna não exige do príncipe qualidades especiais.[4] Esta é a sorte ou o acaso dominando os fatos.
A violência (Cap VIII) é forma de tomada de poder  que não está relacionado nem a  fortuna nem a virtude. O que usa deste experiente usa meios nefastos e criminosos e utilizará de violência para se manter no poder. Quem adota esta forma de poder deverá se preparar pra enfrentar rebeliões constantes. O que o levará a aplicar atitudes continuas de violência e truculência. Assim a ordem “equivale à violência administrativa”.[5] Essa violência perpetuada não é vista como boa para Maquiavel. Isto pode ser entendo pelo fato de a aplicação da violência e da força pode não ser verdadeiramente poder exercido pois “poder é a modificação da conduta do indivíduo ou grupo, dotada de um mínimo de vontade própria”.[6]
 Finalmente acesso ao poder por meio do consentimento dos cidadãos (Cap. IX). Nesta forma de principado o  cidadão privado torna-se príncipe de sua pátria não por violência ou perfídia mas com o favor dos concidadãos, que são o povo ou os maiorais[7]. Este modo o autor chama de “principado civil”. Aqui é observada a necessidade de virtude ou muita fortuna, mas com diz Maquiavel “astucia afortunada”. Isso decorre da existência de duas tendências antagônicas dentro da polis: de um lado o povo que não quer ser dominado nem oprimido e de outro os poderosos que querem governar e oprimir o povo.  E desses anseios surge ou principado, ou a liberdade, ou a desordem.
A subida ao poder por meio do povo se torna a melhor opção tendo em vista que, apesar de serem muitos, não são seus iguais, não se ocupam da mesma tarefa, a de governar. Assim o povo se torna mais propício a obediência. O príncipe deve ter o povo em amizade e mantê-los sempre dependentes do Estado.
Ao contrário do que se costuma afirmar, Maquiavel deixa notar ter em mente certa moralidade, pois o poder não seria é o alvo final da ação política. A perpetuação do principado depende de certa legitimação por parte dos súditos[8].Mas a conduta do príncipe é norteada em primeiro lugar pela eficácia. Sem ela a política perde sentido.[9]
Esta visão traz em Maquiavel uma postura política quanto a moral. Política e moral têm o mesmo campo de ocorrência: a ação humana, todavia, distinguem-se nos diferentes critérios de avaliação e justificação as das ações. Assim, enquanto o critério de julgamento de ação moral é o respeito a uma norma absoluta e indiscutível, o critério do julgamento político é o resultado esperado[10].
Assim a ética, pelo menos a cristã não é vista como chave para o sucesso e sim a pagã que valoriza a polis.[11]
 Sua ética política pode ser observada nos capítulos que aborda, por exemplo, o proceder do príncipe que é sempre realista. Entende haver grande distancia entre o ideal e a prática. E adverte que o que abandona do prático em detrimento do que deveria a ser levará a ruína.
O homem real é, por assim dizer, detentor de atributos louváveis e reprováveis o que se espera do príncipe é que seja tão somente prudente fugindo dos vícios que o fariam perder o poder.  Assim, atitudes que aparentam virtudes como a liberalidade podem acarretar a ruína e enquanto alguns vícios aparentes contribuem para segurança e bem estar.
Contudo, Maquiavel aparenta não ser tão “maquiavélico”, pois declara que seria melhor prática da piedade (cap XVII) e não a crueldade. A ação do príncipe precisa de equilíbrio e “ser lento no crer e no agir”.  É no caso de impossibilidades ser amado que ser temido como um leão se torna o melhor opção.  Orienta ao príncipe a observando sempre a se abster da tomada dos bens e as mulheres de seus cidadãos e súditos e o não derramamento de sangue desnecessariamente.
Outro aspecto desse agir do príncipe é a tática da aparência, da dissimulação. Fazer parecer possuir todas as virtudes é tão importante quanto te-las. E é nessa sagacidade, esperteza da raposa que consegue perceber as ciladas e armadilhas dos inimigos da manutenção do poder. Essa simulação e falsidade é justificável na  sua ética política tem em vista que o objetivo maior é a eficiência na perspectiva dos interesses do próprio príncipe. Essa ação dissimulada pode encarada como virtuosa. Quanto maior capacidade de controlar Fortuna maior glória para si e manutenção do Estado[12]
Concluo, afirmando que Maquiavel está visualizado seu tempo, sua polis. Por experiência pode notar que o status político deve ser exercido com virtude, a capacidade de driblar as situações adversas ou aproveitar-se no máximo das oportunidades apresentadas. Na tensão continua entre os que querem esquecer domínio e os que querem a liberdade a política baseada exclusivamente na moral cristã não consegue se manter.

Ele propõe uma nova maneira de ver e fazer política, que deve estar mais nas mãos dos homens do que na mão de Deus ou sorte. Isso exatamente por causa da natureza dupla homem-animal do ser humano. O poder e a ordem devem ser mantidos pela lei e pela força. Se não for possível a coexistência que não falte a força.

Maquiavel faz escola e muitas das seus conselhos são seguidos a risca por muitos, se não a maioria daqueles que exercem poder em nosso tempo: os políticos, empresários, chefes e mesmo líderes religiosos.

O poder ou controle se mantém mais pelo uso da força e dissimulação do que exemplo e competencias. E a ética empregada é a do Gerson : a do querer levar vantagem em tudo.

É bom lembrar que esta não é a forma indicada no Novo Testamento para aqueles que exercem qualquer tipo de liderança ou exercício de poder. Em outras palavras, poder não deve ser correlato ao emprego da força, coação ou constrangimento
                                                                                                                                    Adilson J T Toledo


BIBLIOGRAFIA
 MAQUIAVEL. O Príncipe. Disponível em: http://www.clube-de-leituras.pt/upload/e_livros/clle000049.pdf (Acesso em 15/02/2011)
KRITSCH, Raquel. Maquiavel e a construção da política. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452001000200009&lng= pt&nrm=iso  (Acesso em 15/02/2011)
RIBEIRO, Renato Janine. Um pensador da ética. Disponível em: http://www.renatojanine.pro.br/FiloPol/pensador.html (Acesso em 19/03/2011)
MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Lisboa. Publicações Dom Quixote, 1978.
BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINI, Gianfranco. Dicionário de Filosofia Política V. 1 . 11ª Ed.Universidade de Brasília, 1998
KENNY, Antony. História Concisa da Filosofia Ocidental. 1ª Ed. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Filosofia, 1999.

      


1] KENNY, Antony. História Concisa da Filosofia Ocidental. 1ª Ed.  Lisboa: Sociedade Portuguesa de Filosofia, 1999. p 248
     [2] RIBEIRO, Renato Janine. Um pensador da ética. Disponível em: http://www.renatojanine.pro.br/FiloPol/pensador.html (Acesso em 19/03/2011). Vale notar que em “os Discursos” Maquiavel é visto como um republicano
[3] MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Lisboa. Publicações Dom Quixote, 1978.
    [4] KRITSCH, Raquel. Maquiavel e a construção política. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452001000200009&lng=pt&nrm=iso (Acesso em 15/02/2011). p.184
[5] Ibid, p.184
      [6] BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINI, Gianfranco. Dicionário de Filosofia Política V. 1 . 11ª Ed.Universidade de Brasília, 1998. p. 1291-1292
[7] Este tipo de principado é o que esta de fato nos planos de Maquiavel ao direcionar-se a um membro da família Medici, família de banqueiros que alcançou grande projeção em Florença, Itália. ( KENNY, Antony.História Concisa da Filosofia Ocidental. 1ª Ed. Lisboa. Sociedade Portuguesa de Filosofia, 1999. p.247)
[8] KRITSCH, Raquel. Maquiavel e a construção política. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452001000200009&lng=pt&nrm=iso
(Acesso em 15/02/2011). p.183
[9] ibid, p.18
    [10] ibid,  p. 186
   [11] RIBEIRO, Renato Janine. Um pensador da ética. Disponível em: http://www.renatojanine.pro.br/FiloPol/pensador.html (Acesso em 19/03/2011)
[ 12]  KRITSCH, Raquel. Maquiavel e a construção política. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452001000200009&lng=pt&nrm=iso
(Acesso em 15/02/2011). p.188